VIAJAR

Drummond tem um poema em que diz carregar uma angústia nomeada por ele como “sentimento do mundo”, difícil de ser sustentada por apenas duas mãos. Trata-se do peso da consciência das próprias memórias, das sensações do corpo que tenta conciliar a existência pessoal e psicossomática com as exigências sociais que, muitas vezes, aniquilam o eu.

Ao mesmo tempo, ele reconhece nessa equação a potência do amor (e, por que não, do desejo?) — forças que insistem em buscar (re)conciliação, mesmo que o destino final de tudo isso seja a morte.

Drummond, assim, sente-se levemente disperso na vida, sem muito compromisso com as neuroses, as guerras e as fronteiras. Prefere ocupar-se das vidas comuns, das pessoas reais que também carregam o próprio mundo em somente duas mãos: a viúva, o trabalhador, o cientista…

Os analistas, muitas vezes, são como Drummond. Reconhecem que não existe nada mais louco do que a existência humana; não enxergam as coisas com rigidez, porque passam a ver a vida como uma trama de apostas e tentativas. Ao mesmo tempo, são capazes de compreender quase tudo, por estarem sensíveis à dor humana.

Pessoalmente, busco manter vivo em mim o “sentimento do mundo” drummondiano — não apenas dedicando a vida a ouvir pessoas no consultório, mas também viajando para lugares e culturas diferentes para fazer o que mais gosto: ouvir, calejar a sensação de estranhamento, mergulhar no diferente. Gosto de me familiarizar sempre com a sensação de estar vivendo algo pela primeira vez, mas com aquela velha impressão de já ter visto algo parecido antes. E, assim, poder sentir-me paradoxalmente diferente e pertencente às histórias.

Não seria isso sustentar a postura de estar aberto ao outro sem perder-se de si?

© 2025 MARIANA ARAÚJO
(CRP – MG 04/56082)

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